O
problema é a tal da gravidade! Na verdade, a falta dela.
Primeiro, é necessário conectar-se ao vaso. Depois,
assegurar-se que “nada” irá retornar ao “local
de origem” ou, pior ainda, ficar flutuando indevidamente pela
cabine. Realmente, ir ao banheiro no espaço não é
simples. Conselho útil: nunca deixar para a última
hora!
Na verdade, o procedimento não é complicado. Ainda
bem. Mas precisa, como um todo, de um certo planejamento pessoal.
Basicamente, a questão se divide em duas partes: como permanecer
ligado ao vaso e como fazer para que qualquer material produzido,
líquido ou sólido, siga na direção correta.
As respostas a esses dois problemas são completamente cobertas
pela metodologia do procedimento previsto no “check-list”***
da espaçonave.
Como este é um assunto que aparece com grande freqüência
na lista de curiosidades sobre a vida no espaço, vamos falar
um pouco sobre como funciona esse sistema no ônibus espacial.
Comecemos com a necessidade de “prender-se” ao vaso.
Isso é feito com o auxílio de fitas restritoras equipadas
com velcro para segurar os pés. Isto é, na frente
do equipamento “WMS”, o “Waste Management System”
– vulgarmente conhecido por vaso sanitário, existem
dois suportes para os pés. Nas laterais desses suportes temos
fitas cobertas com velcro que são ajustadas ao redor de cada
pé. Assim, o primeiro passo na preparação para
a “atividade” é assegurar-se que existe uma boa
fixação dos pés. Depois, uma vez sentado, o
firme contato com o vaso é garantido por dois restritores
metálicos retráteis. Eles são inicialmente
localizados ao lado do assento. Um de cada lado. Para posicioná-los,
eles devem ser levantados e girados sobre as coxas do astronauta,
quase na altura da cintura. Utilizando molas, esses dispositivos
mantêm o tripulante firmemente sentado, sem a necessidade
de segurar-se nessa posição durante todo o processo.
Não é necessário dizer que, logicamente, nesse
passo do procedimento, as roupas já devem estar fora do caminho!
Acabou? Claro que não. Para estar “realmente conectado”,
também é preciso cuidar dos líquidos. Afinal,
essas coisas, sólidos e líquidos, podem ser processadas
ao mesmo tempo ou quase na seqüência!
Inicialmente, é importante ressaltar que cada tripulante
tem o seu próprio “adaptador”. É isso
mesmo, adaptador! E, assim como escova de dentes, não se
empresta esse item tão privado! Para não ter dúvida,
cada um tem sua própria cor, individual. O comandante pode
ser verde, por exemplo. O primeiro especialista de missão,
azul. E assim por diante. Obviamente, são diferentes também
em formato para homens e mulheres, é claro. Simples conseqüência
do desenho original da natureza. Muito bem. Conhecidos os adaptadores,
vamos para o processo em si. No centro, na parte dianteira do vaso,
o sistema possui um tubo para a coleta de urina. Na ponta do tubo
encaixamos o adaptador que, por sua vez, é “adaptado
no tripulante”. Tudo conectado, tudo checado, estamos completamente
prontos para “relaxar” e usar o sistema. Certo? Errado!
E a parte do direcionamento dos materiais produzidos? Isso é
conseguido através do uso de uma sucção regulada
de ar para interior do sistema. O diferencial de pressão
é obtido gratuitamente do ambiente exterior, o espaço.
Contudo, como nesse ambiente externo a pressão é praticamente
nula (quase vácuo), é necessário controlar
e reduzir essa diferença de pressão com relação
ao ambiente interno da espaçonave. Isto é, deve-se
ter apenas uma leve sucção. Afinal, ninguém
quer que o tripulante seja “virado no avesso”! Para
tanto, existem vários reguladores e válvulas de segurança
instalados nessa linha de descompressão. Essa linha é
aberta através de uma válvula principal comandada
na parte inferior direita do vaso. Portanto, abrir essa válvula
é também um passo essencial do procedimento.
Quando a linha é aberta, podemos ouvir da sucção,
um som bastante alto, diga-se de passagem, e sentir o fluxo de ar
no coletor de sólidos e no tubo para líquidos.
Agora sim, tudo ficou igual a ir ao banheiro aqui na Terra. Sem
necessidade de explicações extras. Como auxílio
operacional, caso alguma parte do procedimento seja esquecida ou
simplesmente para leitura durante o “processo”, o tripulante
tem, a sua disposição, um “check-list”
que contém a descrição detalhada de todos procedimentos
necessários pelo sistema. Ele é fixado com velcro
à parede do pequeno banheiro. Ainda, nessa mesma parede,
do lado esquerdo, temos os lenços higiênicos para a
limpeza pessoal após a atividade. Aliás, os passos
para finalizar o procedimento são, basicamente, o caminho
inverso do que foi feito anteriormente. Primeiro, a válvula
de sucção é desligada. Depois, o tubo de coleta
de líquidos é desconectado. Para possibilitar a limpeza
pessoal, solta-se o restritor das coxas. Os lenços utilizados
são depositados em um recipiente do lado esquerdo do vaso.
Finalmente, soltam-se as fitas restritoras dos pés. Não
é necessário dar descarga. A sucção
já cuidou de coletar os sólidos e líquidos
no local correto no sistema. Nada é lançado ao espaço.
Ninguém quer produzir mais lixo espacial! Tudo fica estocado
no veículo, em recipientes apropriados, durante toda a missão.
Após o pouso esse material é recolhido e descartado
pelo pessoal de suporte.
Simples, não é? Mas espere, ainda faltou uma parte
importante do sistema para ser descrita. Aliás, uma parte
bastante peculiar. O orifício do vaso sanitário, por
onde passam os sólidos, tem apenas oito centímetros
de diâmetro. Isto é, ele é estreito. Somado
a isso, como era de se esperar, dadas as restrições
da microgravidade, não existe água de descarga no
interior do vaso, como normalmente observamos aqui na Terra.
Como resultado, existe a necessidade de se “alinhar e acertar”
corretamente o orifício durante o processo de “produção
dos sólidos” para evitar deixar muitos resíduos
nas paredes no coletor, visto que o próprio tripulante é
responsável pela limpeza posterior do equipamento. Ou seja,
é bom não errar o alvo! Para nos auxiliar nessa tarefa
de “apontar” corretamente, existe uma câmera instalada
dentro do vaso, produzindo imagens que são vistas pelo tripulante,
durante o processo, em um monitor colocado na parede esquerda superior
do banheiro. Bastante estranho, mas necessário. Realmente,
nessa profissão temos que nos conhecer completamente. Algumas
vezes até um pouco mais do que gostaríamos!
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